segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O tumulto (Por Bruckner & Finkielkraut)

Eu te amo: essa mensagem supostamente primeira e una é na verdade um entrelaçado de afetos exclusivos e indissociáveis, e sua aparente simplicidade combina o júbilo, a ansiedade, a homenagem e a alergia. Sussurrar essa confissão é algo que dá a entender uma verdadeira cacofonia sentimental na qual o amor é cantado de todos os modos.
"Eu te amo" é antes de mais nada (é esta sua evidência gramatical) uma fórmula assertiva: ela proclama um êxtase, afirma um paroxismo, dá nome a uma felicidade. É também uma opção: digo "eu te amo" a fim de tornar a ser o "eu" que, depois de meu amor, não sou mais, para reintegrar o reino interior de interioridade e de substância de que fui despojado. Falo de um não-lugar - dali onde deixei de estar; designo um lugar - "você" - onde o Outro ainda não está, mas onde quero que ele baixe. "Eu te amo" é, portanto, uma expressão propiciatória que demanda dos pronomes a criação de pessoas: "eu" exprime a nostalgia da interioridade perdida, e "você", o desejo, o desejo de que o objeto amado corresponda a uma identidade. Em "eu te amo" há também veemência do imperativo: ame a mim! Ordeno que me ame! (...)


O fim do modelo conjugal


(...)O casal é um espelho fiel em que se reflete o desgaste produzido pelo capitalismo na sociedade. Talvez. Mas não é possível dizer também que é a impossibilidade em que nos mantém a sociedade de nos desenvolvermos nela, que sustenta, contra suas próprias desilusões, a cidadela amorosa? Somente num mundo infeliz é que o desejo de ser feliz é tão obstinado, e é nesse mundo que a felicidade deve invariavelmente assumir a forma da quietude almofadada, da intimidade celular: quero que haja um casal para que haja um exterior e um interior, para passar na rua sem padecer de um anonimato (pois tenho uma casa nossa), para escapar à incerteza sedutora, para me afastar , em suma, da paranóia social. O casal não é tanto uma renúncia quanto uma fuga: ele continua a ser a instituição mais acessível a todos aqueles que são atormentados, senão por um grande ideal passional, pelo menos pela necessidade de segurança e o desejo de desconexão. (...)


Os dois sonhos do amor


A paquera é incessantemente assombrada pela vertigem de sua própria superação. Por tornar a sexualidade ansiosa em relação a si mesma, por mergulhar o desejo na incerteza de seu destino e o indivíduo na inquietação de sua imagem, a sedução sonha, em contrapartida, com um espaço seguro onde o Outro seria sempre oferecido, pois teria aberto mão de seu poder de dizer não, onde a satisfação não seria o objetivo de uma batalha, onde o genital não seria negociado, onde, enfim, não mais seria necessário passar no exame para chegar ao gozo. (...) Não é possível salvar o amor das exlusões que ele pratica, dos compromissos que assume com o mundo, das feridas que o ameaçam e da incerteza em que atola. O que não significa, por certo, que nenhuma melhora seja possível, que nenhuma transformação afete o teatro pulsional e sentimental: mas essas mudanças perceptíveis (pluralização dos critérios, emergência do desejo feminino, fim do antigo cerimonial, multiplicidade das paqueras a fim de evitar a Paquera) não são sintomas de agonia: não assistimos às convulsões do velho mundo, o amor não está prestes a abandonar os maus locais da transação para ocupar enfim um espaço de inocências, não somos os portadores de nenhuma boa nova, não existe um além da sedução. 


Às vezes, bem às vezes, eu desejava não saber de algumas coisas...
A ilusão e/ou a fantasia podem servir como pseudópodos importantes à locomoção. Sério! Eu vivo dessas "evaginações". (risos)

Renoir - The dance